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Proteína que regula a pressão pode virar antiviral contra gripe e covid-19

Dizem que mineiro faz as coisas quieto. Pois bem, lá por 2020 e 2021, enquanto a pandemia de covid-19 pegava fogo e as vacinas ou não existiam ou mal começavam a ser aplicadas, um grupo de pesquisadores testou algo diferente em pacientes infectados pelo famigerado coronavírus e internados em UTI (unidade de terapia intensiva) de dois hospitais de Belo Horizonte — o Mater Dei e o Eduardo de Menezes. O resultado da façanha só está sendo alardeado agora.


Foram 78 pacientes e 14% deles chegaram a precisar de ventilação mecânica, com toda uma aparelhagem cumprindo a função dos pulmões estropiados pela virose. Os outros também não respiravam sozinhos às mil maravilhas: necessitavam de máscara para suplementar o aporte de oxigênio, facilitando as famosas trocas gasosas.


Entre aqueles que, por um período máximo de uma semana, receberam continuamente a infusão de um peptídeo, isto é, de um pedaço de proteína chamado angiotensina 1-7 (faça como um cientista e leia "angiotensina 1 a 7"), o tempo livre de aparelhos com oxigênio aumentou, em média, em três dias. Ou seja, eles precisaram de menos ajuda para respirar. Isso porque os danos provocados nos pulmões foram nitidamente reduzidos.


Até aí, lá no fundo o fisiologista Robson dos Santos, líder do trabalho, já esperava. Professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde coordena o INCT-Nanobiofar (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmacêutica), ele entende de angiotensinas como poucos neste mundo, sem um pingo de exagero.


Que substância é essa?


Mas que raios são angiotensinas?! — já imagino a pergunta saindo de sua cabeça. Em resumo, o sistema que regula a nossa pressão arterial é dos mais complexos. Os rins produzem uma proteína chamada renina. Ela, por sua vez, quebra uma outra, sintetizada pelo fígado. O que sobra, no caso, são os tais pedacinhos proteicos chamados de angiotensinas.


Há um punhado delas. A número 2 é uma das grandes responsáveis pela elevação da pressão arterial. Deveria cumprir essa função em caso de emergência, se a pressão despenca por causa de uma intoxicação alimentar, por exemplo, quando seu corpo perde depressa muito líquido. Nos indivíduos com hipertensão, porém, a angiotensina 2 está sempre ativada e mantendo a pressão nas alturas. Para complicar, ela tem outra função que nem sempre é simpática: a angiotensina 2 favorece processos inflamatórios.


Nos anos 1980, quando estava na Cleveland Clinic Foundation, nos Estados Unidos, o professor Robson dos Santos foi um dos cientistas que descobriram mais uma angiotensina, a 1-7. Ela é rival da outra: não só relaxa os vasos, como tem uma ação anti-inflamatória. Por isso mesmo é que o professor não ficou surpreso ao ver a redução de danos pulmonares.


Ação antiviral


O que deixou o cientista de queixo caído foi outra coisa: em um estudo em camundongos, feito paralelamente àquele realizado com os pacientes nos dois hospitais mineiros, a angiotensina 1-7 foi inalada pelos bichinhos como se fosse um soro nasal e fez a proeza de reduzir a carga do coronavírus tanto nos pulmões quanto no cérebro. "Para nós, ainda é um belo enigma", confessa o professor. "Esperávamos um efeito anti-inflamatório. Ninguém imaginava uma ação antiviral."


Nos animais, fica evidente que o peptídeo reduz a inflamação nos pulmões, ajuda na resposta imune para enfrentar a doença e — sim! — diminui a quantidade de vírus em circulação, ajudando em uma recuperação mais rápida. Hoje, isso está sendo investigado com uma série de outros vírus, como o influenza da gripe. "Os resultados", antecipa o professor, "são bastante promissores."


Apesar de as vacinas serem as principais armas para evitar infecções sérias, como a covid-19 e a gripe, ainda há gente que adoece e desenvolve pneumonias que colocam a vida em risco. Por isso, além de imunizantes, é fundamental que a ciência encontre tratamentos para interromper a escalada de danos dessas viroses.


Nos pulmões


Quando o time de cientistas mineiros resolveu sondar os efeitos da angiotensina 1-7 na covid-19, ele não tirou a ideia da cartola, assim do nada. Esse caminho já tinha começado a ser percorrido anos antes, quando cientistas perceberam que um remédio para tratar a hipertensão, o losartan, melhorava o quadro de quem tinha DPOC, a doença pulmonar obstrutiva crônica.


Então, o raciocínio foi o seguinte: "Ora, esse medicamento é um antagonista dos efeitos da angiotensina 2. Ele promove a dilatação dos vasos e aumenta a excreção de sódio e de água pelo organismo", lembra o professor Robson dos Santos.

Ao ter essa ação nos incontáveis vasinhos nos pulmões e diminuir a presença do líquido despejado pela inflamação nesses órgãos, o remédio ajudaria a tirá-los do sufoco da DPOC.


Mas será que isso não poderia ter a ver com a rival natural da angiotensina 2? "Ao fazermos essa indagação, passamos a estudar o efeito da angiotensina 1-7 nos pulmões. Nos quadros de asma, por exemplo, eu diria que ele é quase mágico", observa o professor Robson dos Santos. "Essa angiotensina parece atrapalhar os eosinófilos, sem interferir nos macrógafos", diz ele, mencionando dois tipos de células imunológicas. Os eosinófilos podem ser o estopim de inflamações. Já os macrófagos teriam uma ação oposta, anti-inflamatória.


"No princípio, foi isso: vimos que esse peptídeo melhorava quadros que não eram infecciosos, pelo menos em camundongos. Depois, fomos estudá-lo em pneumonias causadas por bactérias pseudomomas e, adiante, nas viroses", relembra o professor.


Substância já causou controvérsia


Uma das principais hipóteses para explicar o poder do Sars-CoV-2 para arrasar com a nossa saúde era justamente a de que a infecção por esse coronavírus aumentaria a angiotensina 2 e diminuiria a angiotensina 1-7, em uma gangorra muito desfavorável a nós todos.


"Só que, para surpresa geral, no nosso estudo a angiotensina 1-7 estava até ligeiramente mais elevada no plasma sanguíneo dos pacientes internados com covid-19", conta Robson dos Santos. Mesmo assim, fizeram a infusão com a substância. Isso porque o instinto da equipe de cientistas era de que tudo seria uma questão de endereço. Explico.


A tal angiotensina foi aplicada na veia. Ora, o sangue venoso vai direto para os pulmões, em busca de renovar seu estoque de oxigênio. "E eles eram o foco, o objetivo não era levá-la a circular no corpo como um todo", justifica o professor. Concentrada no território pulmonar, a molécula agiu direito. "E, atenção, em dose baixíssima", faz questão de frisar o professor.


Isso porque, enquanto os mineiros faziam seus estudos, um grupo de pesquisadores americanos divulgou um ensaio clínico em que as coisas não tinham ido tão bem. "Pudera!', diz Robson dos Santos. "Durante três horas, eles aplicaram nos pacientes uma dose 50 vezes maior do que a que nós utilizamos. E ainda repetiram o procedimento por vários dias. A gente sabe muito bem que uma dose muito alta de angiotensina 1-7 estimula o receptor de sua opositora, a angiotensina 2, que aumenta a pressão e é inflamatória. O tiro deles, portanto, só poderia sair pela culatra." Cientes disso, os mineiros continuaram firmes.


Em doses baixas, a angiotensina 1-7 é extremamente segura, até por ser produzida pelo organismo humano. "Isso a torna uma medicação promissora para a covid-19, para pneumonias causadas pelo influenza da gripe e para outras viroses também", garante o cientista.


E agora?


O professor Robson dos Santos vê com ânimo a inalação nasal que usou para tratar camundongos. Nela, a angiotensina 1-7 foi envolvida por um lipossoma, isto é, ficou dentro de uma bolsinha de milésimos de milímetro feita de partículas gordurosas, que protegeu sua molécula, entregando-a intacta nos pulmões dos animais.


Eles tinham receptores iguais aos nossos para o Sars-CoV-2 e ficaram doentes pra valer. Sem a medicação, morreriam cinco dias depois de infectados, o que não aconteceu quando ela começou a ser gotejada em suas narinas. No entanto, quando o tratamento foi interrompido, quase todos se foram. Uma dúvida é se teriam sobrevivido, caso a solução com angiotensina 1-7 continuasse a ser pingada.


Claro, para que um tratamento nasal vire rotina para pacientes internados por causa de uma gripe forte ou de covid-19, faltam estudos com seres humanos e, para isso, o interesse de indústrias farmacêuticas, nacionais ou de fora. "Mas, quem sabe, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ao menos autorize a infusão venosa, uma vez que a angiotensina é aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos, para aplicação na veia em outras circunstâncias", suspira o professor Robson dos Santos.


A esperança dele não deixa de ser a nossa, já que estamos falando de infecções virais endêmicas, que vieram para ficar e nunca nos darão total sossego.


Reportagem escrita por Lúcia Helena, Colunista de VivaBem

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